domingo, 3 de dezembro de 2023

A Melhor Idade? Para quem?


 

Ando procurando os felizes detentores da "melhor idade" e até agora, escavando a superfície sempre descubro que atrás daquele sorriso encomendado existe uma pessoa triste, frágil e com medo. Pessoas jovens tentam nos empurrar goela abaixo uma idéia de felicidade numa situação que eles desconhecem. O que existe de bom na invisibilidade do velho? Nas dores sempre existentes? Na fraqueza de nossos músculos que antes nos permitiam carregar os filhos nas costas e hoje não são mais capazes de carregar nossos netos e tornam difícil carregar o próprio corpo. Qual a alegria de nos olhar no espelho e não mais reconhecermos a nossa face? De sentir a deterioração diária de nosso corpo apresentando situações inesperadas e constrangedoras com as quais não contávamos antes? E ainda exigem de nós uma alegria forçada e atitudes que não condizem com nossa capacidade: "vá viajar, faça academia, dance, sorria, seja feliz!" Ah, como eu queria ter o dom de passar para esses "coaches" da melhor idade as nossas dores físicas e mentais por apenas um dia! E o pior de tudo isso é conviver a cada segundo com a morte nos espreitando, sabendo que ela está perto e nunca poderemos prever de que forma e em qual momento ela nos atingirá. A morte chega para todos, mas o jovem tem a ilusão de que ela só chegará muito mais tarde e quando chegam a pensar sobre o assunto imaginam um quadro romântico com uma pessoa de cabelos brancos cercada de filhos e netos, que docemente fechará os olhos para sempre, sem nenhum sofrimento. Mas nós sabemos que quase nunca é assim, infelizmente. Uma coisa posso afirmar, não existe essa falácia da melhor idade.



sábado, 29 de abril de 2023

Deslocada


 Por que tantas vezes me é insuportável viver em sociedade? Vou tentar colocar aqui alguns dentre tantos motivos: sou extremamente pontual, em respeito ao meu tempo e ao tempo dos outros; não surrupio coisas alheias mesmo que seja uma fruta numa árvore; jamais jogo lixo no chão; não acho a mínima graça no constrangimento dos outros e não me interesso por futilidades e fofocas, como a vida íntima de qualquer pessoa. Não sou invasiva, espero que me contem o que querem e quando querem e não fico questionando ninguém, embora para muitos em nossa sociedade isso pareça desinteresse. Cumpro religiosamente meus compromissos e procuro não desperdiçar o tempo nem a boa vontade alheia; não gosto de ser um fardo ou um incômodo. Não gosto de me comunicar aos gritos e nem ouvir ou produzir barulhos altos, como música por exemplo. E não gosto de funk, palavrões, cigarro e gente bêbada. Aprecio a sensualidade mas não a pornografia. Mentiras, só as necessárias. Não prometo o que não pretendo cumprir, nem faço festinhas para quem não tenho afinidade. Não atraso pagamentos, não compro o que não posso. Cumpro todas as regras, porque sei que se existem é por alguma razão que até talvez eu desconheça; não furo fila, não exijo privilégios mas apenas direitos. Não importuno, não peço selfies ou autógrafos de famosos. Fujo de conflitos, não vibro com tragédias, não gosto de ser o centro das atenções. Por essas e outras razões muitas vezes me acham chata e arrogante, embora eu não tente doutrinar ninguém e apenas procure me manter afastada de coisas que nada têm a ver comigo. É isso. 


 

segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Nos Tempos da Pandemia


           O fruto da pandemia se chama saudade. Foi inoculada em mim, de mim se nutriu, espalhou seus galhos, produziu flores pálidas com cheiro de morte. E frutos que à noite me causam terríveis e constantes pesadelos e de dia imensa saudade. Saudade doída, massacrante, destruidora, excruciante. Sangro constantemente. Não há nada que destrua essa praga antes que ela destrua a mim. Por mais que eu faça ela nunca vai embora, nunca consigo me livrar de sua aterradora presença invisível. Só precisava ver meus netos por alguns minutos para voltar a viver.

terça-feira, 19 de julho de 2022

Uma Das Vezes Em Que Morri


 Ocasionalmente um fantasma me acorda na madrugada e exige que eu o vomite em palavras. Sou filha única e como é natural, era emocionalmente muito ligada a meu pai. De repente ele adoeceu com câncer, detectado já em estado terminal. E eu morando muito longe, vivendo um inferno pessoal que só eu conhecia a profundidade. Consegui ir visitá-lo no hospital em Brasília e ele, inocente como uma criança, pediu para mim, aquela que ele julgava superior a todos os humanos, que o levasse para casa. Eu sabia que não podia fazê-lo, mas não pude dizer e nem mesmo demonstrar que eu mal conseguia manter a minha sanidade. Dias depois ele morreu e eu dissociei meu espírito. Uma Marta vivia como um robô, e quem olhasse de fora pensava que estava absolutamente serena. Mas eu não estava ali e inclusive tinha a nítida sensação que não andava; eu flutuava alguns centímetros acima do chão. A Marta verdadeira estava encolhida e escondida num lugar bem profundo, sem querer olhar para fora e encarar a realidade. Um mês depois eu estava internada na UTI do hospital Nove de Julho, para onde fui transferida de Cuiabá, com uma súbita pneumonia que evoluía vertiginosamente e não respondia aos mais modernos antibióticos. Só me lembro que nos poucos momentos em que ficava consciente eu me decepcionava por estar viva num mundo que para mim era o pior lugar possível, onde eu estava totalmente isolada com meu sofrimento. Mas a Dra. Marisa D'Agostino e equipe me trouxeram de volta e disseram a meu marido que eu simplesmente não queria viver. Sobrevivi, mas grande parte de mim não resistiu. Foi nessa ocasião que morri mais um pouco, sem funeral, trancada no meu completo silêncio.

sábado, 2 de julho de 2022

Bélgica

 Quando criancinha ganhei uma cachorra perdigueira à qual dei o nome de Bélgica. Eu vivia numa fazenda onde a amizade de uma menininha solitária e uma doce cachorrinha cresceu com muita força e nos tornamos inseparáveis. Meu amor por ela enchia meu mundo de alegria, até que aos sete anos meus pais resolveram me colocar num colégio interno. Minha primeira preocupação foi como me separar da Bélgica e quem cuidaria dela. Minha mãe afirmou que tudo ficaria bem e que quando eu voltasse para as férias ela estaria me esperando. Mas não estava. Cheguei chamando por ela e ela não apareceu. Ao ver meu desespero meu pai me disse que tinha colégio de gente e colégio de cachorro; que Bélgica estava aprendendo muitas coisas, mas logo chegaria. Eu esperava ansiosa, quando um dia chegou um amigo de meu pai e começaram a conversar sem saber que eu estava ouvindo. De repente ele comentou que a perdigueira que tinha ganhado de meu pai era excelente caçadora. Um gelo cobriu minha alma e nesse dia descobri que não podia confiar nos adultos. Me calei e nunca mais perguntei por Bélgica; mas nunca a esqueci e até adulta eu acordava chorando, porque sonhava que me via na beirada de uma cratera enorme e totalmente escura, onde escutava o latido de minha cachorra. Eu entrava e não enxergava nada diante de mim, tal era a escuridão. Mas escutava o latido e saía tateando, correndo, caindo e gritando o nome dela e nunca a alcançava. Já fazem alguns anos que não sonho mais, talvez porque meu espírito tenha desistido, talvez porque pesadelos maiores substituíram aquele.


 

segunda-feira, 25 de abril de 2022

O menino e o gato

Da janela de meu quarto via uma varanda mais abaixo num prédio vizinho e percebi um dia um garotinho bem pequeno brincando com um gatinho. Eu achava lindo e sempre observava os dois, uma "voyeuse" sem maldade, encantada com a amizade dos dois. Um dia percebi que menininho estava adolescendo e o gatinho com ele. Depois menininho esticou como por mágica e virou um rapaz bem alto. Sempre com o gato no colo ou ao lado. Acostumei-me tanto com menininho, que demorei a perceber que ele andava malhando e tinha-se tornado um rapaz forte, mas para mim continuava o "menininho". Nesses anos todos nunca soube o nome dele, até que um dia os dois sumiram. Desconfio que menininho casou e levou seu amigo de infância. Criei esse final feliz em minha cabeça, porque desenvolvi uma afeição por ele e seu gato e preferi pensar assim. Agora, depois de tanto tempo, acredito que o gato amarelo já tenha ido para o paraíso dos gatos e menininho tenha sofrido muito. Ainda bem que não vi essa parte.
 

terça-feira, 29 de março de 2022

Efeitos da Pandemia


 Hoje os dias passam céleres e nem mais se identificam. Esquecem-se de que já são tantos, que não mais os reconheço. Não sei  de aniversários e perdas, de qual é mais ou menos marcante. Daqueles que trouxeram alegrias, dos tantos que só foram lamentos. Dos dias agora só me restou uma certeza: deixaram de ser um a mais para serem um a menos.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Diferenças do Brasil e outras culturas


Chegando em Havana (Cuba) e ansiosa para conhecer a cidade, desci e perguntei ao porteiro se deveria levar o passaporte ou uma cópia comigo. Isso pensando também na possibilidade de roubarem o meu documento. O rapaz olhou-me com estranheza e perguntou por que eu queria levar o passaporte e relatei a possibilidade de ser abordada pela polícia e ter que me identificar. Ele então, com um meio sorriso me perguntou se eu estava pretendendo cometer algum crime. Diante de minha veemente negativa disse que a policia jamais me submeteria ao constrangimento de ser abordada se não estivesse em flagrante delito, pois os direitos do cidadão tinham que ser respeitados. Passei quinze maravilhosos dias andando sem lenço nem documento e sem nenhuma preocupação em ser assaltada.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

Já fui muito humilhada e injustamente. Um dia meus amigos resolveram jogar uma partida de futebol mista e tanto fizeram que fui obrigada a ficar no gol. Cada vez que alguém chutava eu corria para o lado oposto e tapava os seios e o nariz. Ficavam bravos comigo e não entendiam quando eu pedia pra chutarem bem devagarzinho para que eu pudesse pegar sem me machucar. Recebi muitas vaias, mas lembro que os adversários me aplaudiram, então devo ter feito alguma coisa certa. Fiquei muito marcada com tanta incompreensão, talvez por isso eu não goste de futebol. Rs
 

terça-feira, 5 de outubro de 2021

Eu


 Aqui tento encontrar meus pares. Somos aqueles que se sentem isolados num mundo estranho,  muitas vezes considerados chatos (e talvez sejamos mesmo). Não precisamos de papel para nos obrigar a compromissos, somos pontuais, não gostamos de fofocas mesquinhas, de ficar julgando aparência, roupas, sapatos e comportamentos. Gostamos de certa profundidade nas palavras, de raciocínio lógico, mesmo que seja nas horas de rir, porque não rimos do outro, mas com o outro. Abominamos a violência, mas entendemos as razões do violento, aquilo que moldou suas atitudes. Não acreditamos em tudo que ouvimos ou vemos pois gostamos de olhar por trás dos bastidores. Podemos aceitar alguns modismos mas não nos tornamos escravos de nada, muito menos de vícios. Respeitamos a todos, mas exigimos que nos respeitem também, porque temos honra e para nós isso é assunto muito sério. Mas sabemos amar demais, embora nossos abraços e beijos não sejam tão frequentes. Nosso amor é tão grande e espalhado que dentro dele cabem todos os elementos do universo, porque sabemos que somos parte de um todo e no fundo somos um só. Ah sim, às vezes somos intransigentes, teimosos, duros em palavras e atitudes, mas somos sinceros.

sábado, 21 de agosto de 2021

Desesperança


 Estou me afogando. Foi tanto tempo nadando, lutando e contornando todos os obstáculos, fazendo tudo para poder num dia de alegria suprema, chegar à minha praia. Por diversas vezes vi a areia mas as ondas me devolveram ao mar revolto. Enquanto tinha forças, tinha esperança. Agora estou exausta e quero afundar calmamente na paz das profundezas, esquecer os sonhos impossíveis, a dor lancinante de não poder ver e tocar, abandonar esse eterno buscar. 

terça-feira, 4 de maio de 2021

EU

Dentro de mim existe uma criança amordaçada; porque fala o que pensa, não sabe calar o que sente, não conhece o jogo adulto da dissimulação.
Dentro de mim existe uma criança amarrada; porque é espontânea, faz o que tem vontade, não conhece o jogo adulto da camuflagem.
 

terça-feira, 5 de janeiro de 2021

2020 o ano que não existiu

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                       




Há muitos anos, no mês de dezembro, compro uma agenda física que conservo na mesa de cabeceira, onde todos os meus compromissos ficam registrados. Assim posso voltar ao passado e relembrar todos os acontecimentos. No último dezembro simplesmente esqueci de comprar a agenda de 2021. Descobri isso ontem. Peguei a agenda e ela está nova e limpa. Eu poderia reaproveitá-la se o calendário fosse o mesmo, mas nem pra isso ela serve. Deverei guardá-la como lembrança infeliz de um ano que não existiu? Nem tenho vontade de comprar outra, porque já nem sei se eu mesma ainda existo.

 

Do que eu gostaria.


 -De um ombro para recostar a cabeça

-De alguém para falar de coisas sérias ou de futilidades

-De um carinho nos cabelos ou um beijo na testa

-De andar com os dedos entrelaçados

-De olhar nos olhos e entender sem palavras

-De beijar na boca até perder o fôlego

-De ser pega pela cintura e abraçada com força

-De acordar sonolenta e me encaixar em outro corpo

-De ser chamada de meu amor

Se nada disso vier a acontecer, eu quero apenas entender.

quarta-feira, 22 de julho de 2020

Uma das vezes em que morri


Ocasionalmente um fantasma me acorda na madrugada e exige que eu o vomite em palavras. Sou filha única e como é natural, era muito ligada emocionalmente a meu pai. De repente ele adoeceu com câncer, detectado já em estado terminal. E eu morando muito longe, vivendo um inferno pessoal que só eu conhecia a profundidade. Consegui ir visitá-lo em Brasília e ele, inocente como uma criança, pediu para aquela que ele julgava superior a todos os humanos, que o salvasse. Eu sabia que não podia fazê-lo, mas não pude dizer e nem mesmo demonstrar que eu mal conseguia manter a minha sanidade. Dias depois ele morreu e eu dissociei meu espírito. Uma Marta vivia como um robô, e quem olhasse de fora pensava que estava absolutamente serena. Mas eu não estava ali e inclusive tinha a nítida sensação que não andava, eu flutuava alguns centímetros acima do chão. A Marta verdadeira estava encolhida e escondida num lugar bem profundo, sem querer olhar para fora e encarar a realidade. Um mês depois eu estava internada na UTI do hospital Nove de Julho, para onde fui transferida de Cuiabá, com uma súbita pneumonia que evoluía vertiginosamente e não respondia aos mais modernos antibióticos. Só me lembro que nos poucos momentos em que ficava consciente eu me decepcionava por estar viva num mundo que para mim era o pior lugar possível, onde eu estava totalmente isolada com meu sofrimento. Mas os médicos me trouxeram de volta e disseram a meu marido que eu simplesmente não queria viver. Sobrevivi, mas grande parte de mim não resistiu. Foi nessa ocasião que morri mais um pouco, sem funeral, trancada no meu completo silêncio.

terça-feira, 12 de maio de 2020

Família

Não há como programar a vida. Quando jovem olhava para o futuro e me via ao lado daquele que para mim seria o primeiro e único marido, cercados de filhos, genros, noras e netos, numa casa espaçosa e agradável e uma mesa de jantar gigantesca. E os natais então? seriam só risos e alegria. Tinha certeza que isso aconteceria se eu fosse uma boa esposa e mãe, se o amor e os bons costumes morassem na minha casa. Tanto me dispus a isso que abandonei um excelente emprego quando minha filha nasceu, para viver apenas para os meus.Coloquei-os em primeiro plano, abri mão de muitas coisas, maquiei as coisas ruins que eu achava que mudariam com minha dedicação e preces. Meu objetivo sempre foi me aperfeiçoar para envelhecer feliz, cercada por todos que eu amava e achava que me amariam da mesma forma. Primeiro erro: achar que homens mudam e ignorar os sinais. Segundo erro: pensar que filhos adotivos te amam da mesma forma que os amamos. Terceiro erro: pensar que só a educação forma o caráter dos filhos, sem saber que eles praticamente trazem tudo na genética. Ninguém me pediu para me doar, mas minha prepotência travestida de ignorância me fez achar que eu podia tudo. Apostei nas fichas erradas, joguei um diploma e um emprego fora, me entreguei de corpo e alma e perdi tudo.

quinta-feira, 9 de abril de 2020

Para Lev

Quem sabe como é a dor de quem não pode ver e não pode tocar no seu amor? Quem sabe a amplidão do espaço entre dois braços vazios? Ou a inutilidade de uma boca que não pode beijar, de um nariz que respira mas não aspira o cheiro da pessoa amada? Quem sabe da dor que preenche o peito, sobe pela aorta entumescida e escorre abundante pelos olhos para não te matar? Cada molécula minha grita por uma pessoinha, cofrinho pequenino que carrega distraído o meu coração. Ele nem sabe o quanto sofro. Pensa que estou longe e viva mas não entende que quero mais que tudo, mas não posso estar com ele. Lev, meu príncipe, eu sofreria menos se você tivesse idade para entender que eu o amo demais, mas existem coisas ruins que separam vovó de você. Como fazer para que você não fique triste e entenda o que me segura aqui? Será que terei ainda a chance de me sentar com você e explicar tudo isso? Só quero que você me olhe nos olhos e diga com essa doce vozinha rouca:"sim vovó, eu sei". Com minha dor eu lido, mas a sua torna a minha insuportável.

domingo, 5 de abril de 2020

Três de Mim



Três de meu sangue vieram: Valentína, Lev e Rod. Vivi, a primeira, foi quem me abriu as portas do paraíso. Antes dela a vida parecia estática, sem grandes alegrias, sem futuro brilhante, sem amor desmedido. Quando achava que não poderia haver nada melhor no mundo e nem igual, minha filha deu-me Lev, meu amado príncipe, aquele que provou a força da atração pura dos sexos. Enlouqueci de amor por aquele homenzinho e agradeço por não tê-lo sempre ao meu lado, pois é certo que eu o estragaria com tantos mimos. Aí veio a cereja do bolo, o lindo Rod, uma pequena cópia da mãe, mas com cabelos loiros e olhos verdes. Agora sei que não preciso de mais nada, só que eles cresçam felizes e saudáveis ao lado dos pais maravilhosos, excelentes jardineiros das lindas e exóticas flores que a vida me deu. Sou muito grata.

Memórias de Infância - Biscoito de Queijo

Eu era muito pequena nessa época. Sei que tínhamos um lindo pé de jenipapo selvagem no jardim, que cobria-se de flores perfumadas para nutrir inúmeras abelhas e depois enchia-se de frutos para a delícia dos passarinhos. Aquilo me encantava. Lembro-me que minha mãe de vez em quando recebia amigas da igreja para o que eu chamava de "reginião"(reunião, na linguagem dos adultos). Lembro-me que à noite eu sempre me ajoelhava na beira da cama e pedia ao papai do céu que fizesse o pé de jenipapo dar frutas para os passarinhos e que as galinhas botassem muitos ovos para ter biscoitos na "reginião". O primeiro motivo era altruísta, mas o segundo não. Sempre tinha uns biscoitos de queijo que eram meu sonho de consumo, mas geralmente não sobravam para mim, porque eu só podia comer depois que as senhoras se retiravam e geralmente não sobravam para mim. Um dia resolvi fazer justiça com minhas próprias mãos, porque achei que depois de tantas orações eu merecia comer pelo menos um fruto da misericórdia divina. Abri o armário e peguei um. A partir de então entrei num frenesi e fui comendo, certa que minha mãe não perceberia. Quando sobraram três fiz uma distribuição no fundo do prato que achei muito convincente e fechei o armário. Vocês podem adivinhar o que aconteceu quando minha mãe descobriu: uma surra de criar bicho. Enquanto apanhava eu só pensava que minha mãe devia ter poderes sobrenaturais para descobrir que eu tinha comido alguns biscoitos. Rs 

quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Fuzil, o Cachorro.

Minha mãe conta que quando eu era bem pequenina tínhamos um cachorro chamado Fuzil. Não riam, porque mais um nome e uma situação pitoresca surgirá; eu tinha um babá (?) chamado Brasil. Um dia eu estava sentada no pátio e Fuzil apareceu espumando e rosnando e começou a andar em volta de mim, muito perto do meu corpo. Brasil tentou me pegar no colo e foi violentamente repelido pois ele não permitia que ninguém se aproximasse e continuava no seu interminável girar. Aí perceberam que ele estava com raiva e na cabecinha dele, mesmo doente, achava que tinha que me proteger. Meu pai foi obrigado a atirar nele com uma espingarda, o que foi muito difícil, porque teve que achar um ângulo que não me acertasse e a certa distancia, porque Fuzil estabeleceu um grande círculo que ninguém podia ultrapassar. Ainda bem que não me lembro, porque seria muito triste saber que o ultimo pensamento daquele serzinho foi voltado para mim.